quarta-feira, 20 de maio de 2015

Outsiders - Howard Becker

OUTSIDERS, BECKER

Propor uma teoria interacionista do desvio: é este o principal objetivo de Howard S. Becker no livro Outsiders, que insiste em traçar sua genealogia a Everett Hughes, Robert Park e William Thomas, entre outros grandes nomes da Escola de Chicago.
Becker propõe uma concepção sociológica do desvio que o define como transgressão das normas de um grupo, sublinhando ao mesmo tempo o facto de que as sociedades modernas e complexas serem compostas por vários grupos.
Assim, como todo indivíduo pode ser susceptível de pertencer a diferentes grupos simultaneamente, Becker tenta mostrar o carácter variável do desvio, no entanto, precisamente delimitado (Xiberras, 1993: 118-119).
O mundo social, ou melhor, os mundos sociais concebidos por Becker são compostos por pessoas que, agindo juntas, com diferentes graus de comprometimento, produzem realidades que também as definem. Assim, Becker cita a máxima de W. Thomas de que "Se os homens definem situações como reais, elas são reais em suas consequências". Isto é, as pessoas agem com base em sua compreensão do mundo e do que há nele (Becker, 2009: 12).
A matemática do desvio em Becker trás uma nova forma de ver este fenómeno, afinal, é difícil tratar da questão do desvio já que, um indivíduo pode se calhar se desviar de um grupo para se associar a um outro, juntando a isto o facto de não se notar um consenso a nível dos grupos sociais (Xiberras 1993: 119).
A percepção da norma apresenta uma grande variabilidade (consequentemente a do desvio) pelo facto de que as sociedades modernas os grupos por si mesmos criam cada um o seu sistema de normas, porém como o autor diz: “ estou interessado sobretudo no que podemos chamar de regras operantes efectivas de grupos, aquelas mantidas vivas por meio de tentativas de imposição (Becker, 2009:16) ”.
Becker começa por abordar a ambiguidade do termo desviante (outsider); quem é o outsider? A sociedade pode rotular alguém como sendo desviante por infringir determinada regra, mas a ambiguidade e o segundo significado do termo pode surgir no facto de que o que foi rotulado não aceitar estas regras e não achar competentes as pessoas que o rotularam e, no entanto, retribuir a estes a rotulação de desviantes (Becker 2009: 15).
Deste ponto de vista diz o autor (Becker 2009: 22), “o desvio não é uma qualidade do acto que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um “ infractor ”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal”.
Becker argumenta que deste conceito devemos querer que não estamos a nos dar com uma categoria homogénea, isto é, as pessoas podem ser rotuladas sem, no entanto, terem infringido alguma regra ou ainda que, a categoria dos rotulados não será sempre constituída por todos infractores porque alguns destes podem escapar da detenção e, importa reter que, o que há em comum nas pessoas rotuladas como desviantes é apenas o próprio rotulo (Becker 2009:15).
O desvio, continua o autor, não é uma qualidade simples, presente em alguns tipos de comportamento e ausentes em outros. É antes o produto de um processo que envolve relações de outras pessoas ao comportamento. O desvio constitui, pois uma propriedade que não pertence nem à pessoa desviante, nem ao seu comportamento, mas à interacção entre dois grupos: aqueles que transgridem e aqueles que regem o acto de transgressão.
O comportamento pode ser uma infracção das regras num momento e não no outro; pode ser uma infracção das regras quando cometida por uma pessoa, mas não quando cometido por outra; algumas regras são infringidas com impunidade, outras não. Em suma, se um dado acto é desviante ou não, depende em parte da natureza do acto (isto é se ele viola ou não alguma regra) e em parte do que outras pessoas fazem acerca dele (p. 26). Daí ser, pois necessário descrever a situação abordando-a pelos seus dois lados.
Os fundamentos aqui apresentados, de Becker, deixam claro que o autor preocupa-se e dá uma grande relevância, aos outros, ou seja, as pessoas que se relacionam com o rotulado e, é, por um lado, neste ponto onde Becker diferencia a sua abordagem do desvio em relação aos pais fundadores e a outros modernos.
Diz:
“ se tomamos como atenção o comportamento que vem a ser rotulado de desviante, devemos reconhecer que não podemos saber se um dado acto será categorizado como desviante até que a reacção dos outros tenha ocorrido. Desvio não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interacção entre a pessoa que comete um acto e aquelas que reagem a ele ˮ (p, 28).
Quanto a questão das regras que são violadas, Becker afirma o seguinte: “ embora se possa afirmar que muitas regras ou a maioria delas conta com a concordância geral de todos os membros de uma sociedade, a pesquisa empírica sobre uma determinada regra em geral revela variação nas atitudes das pessoas ˮ (p.28).
Ou seja, dentro de um grupo constituído é capaz de existir um número de pessoas que não se sentem como participantes nas regras existentes deste e este facto, leva muitos estigmatizados a sentir que está sendo julgado segundo normas para cuja criação não contribuiu e que não aceita, normas que lhes são impostas por outsider[1].
Perante tal facto surge segundo Becker, a necessidade de se recorrer a processos políticos e económicas para se criar e impor as regras àqueles que não as aprovam (pp. 28-29).
Becker termina a caracterização do desvio dizendo que
para além de reconhecerem que o desvio é criado pelas reacções de pessoas a tipos particulares de comportamentos, pela rotulação desses comportamentos como desviantes, devemos também ter em mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são universalmente aceites. Ao contrário, constituem objecto de conflito e divergências, da parte do processo político da sociedade” (p. 30).
De acordo com estes fundamentos, Becker (pp. 31-33) afirma existirem quatro tipos de desvio[2] a saber:
- O comportamento apropriado, que é simplesmente aquele que obedece à regra e que outros percebem como tal;
- O desvio puro de comportamento é aquele que desobedece à regras e é percebido como tal:
- A situação falsamente acusada é aquela a que criminosos muitas vezes se referem como "bum rap". A pessoa é vista pelos outros como se tivesse cometido uma acção imprópria, embora de facto não o tenha feito.
- O desvio secreto é um acto impróprio cometido, mas ninguém o percebe ou reage a ele como uma violação das regras.
O último aspecto que queremos focar das abordagens de Becker é, como um indivíduo chega a ser um praticante de um desvio.
Para o autor, os indivíduos precisam de um conjunto de passos que o levarão a ser um praticante de facto de um desvio, como afirma o autor: "a explicação de cada passo é assim parte da explicação do comportamento resultante (p. 34) ".
A carreira é para o autor (pp. 35-36) uma concepção útil no desenvolvimento de modelos sequenciais de vários tipos de comportamento desviante. A intenção do autor é usar o termo no sentido de carreiras desviantes, mas não expressar apenas aqueles que seguem uma carreira que os leva a desvios cada vez maiores, àqueles que, em última análise assumem uma identidade e um modo de vida extremamente desviantes, devia considerar também os que têm um contacto mais fugaz com o desvio, cujas carreiras os afasta dele rumo a maneiras de dever convencionais.
As sociedades, no entanto, têm grupos dominantes e grupos desviantes, assim como tipos diferentes de desvio. Existem carreiras desviantes, que se apresentam como alternativas para carreiras convencionais. "O comportamento normal das pessoas em nossa sociedade (e provavelmente em qualquer sociedade) pode ser visto como uma série de compromissos progressivamente crescentes, com normas e instituições convencionais" (p. 38).
Eis, no entanto, das etapas que desenvolvem uma carreira desviante (pp. 36-50):
Primeira etapa: a passagem ao acto. Na primeira etapa, o autor explica de duas formas a passagem ao acto; os indivíduos passam ao desvio quando estão totalmente livres de qualquer compromisso para com a sociedade convencional, o que é possível se crescerem e se socializarem numa outra cultura, ou subcultura. Em segundo lugar, os indivíduos passam ao acto quando conhecem as regras da sociedade, talvez as tenham integrado e são, portanto, obrigados a transigir com o tipo de técnicas de neutralização das normas convencionais, que se tornam as suas próprias normas.
Segunda etapa: do desvio ocasional ao modo de vida desviante. Para o autor, durante a prática desviante, e durante a interacção com os desviantes mais realizados, o nocivo faz uma aprendizagem da entrada, e depois da pertença, a uma subcultura. Os desviantes partilham, no mínimo, o seu desvio, o que lhe dá o sentimento de possuírem um destino comum.
Os grupos mais do que os indivíduos isolados são levados a construir justificações históricas, jurídicas, psicológicas, que lhes permitem definir uma identidade que, embora desviante, é na mesma uma identidade.
Terceira etapa: do desvio secreto ao desvio como estigma. O desviante pode ser aprendido e publicamente designado. Uma mudança notável intervém, a partir de então, na identidade que ele adquire aos olhos dos outros e na maneira pela qual ele é tratado, em consequência.
A posse de uma característica desviante pode ter um tal valor simbólico geral, que os indivíduos normais terão tendência a presumir, a partir dessa característica, o conjunto das outras características do indivíduo etiquetado como desviante.



[1] Outsider de acordo com o segundo significado atribuído pelo autor. p. 15
[2] É preciso reforçar com o autor que, aqui não se trata de tipos de pessoas desviantes ou personalidades desviantes, mas a comportamentos ou actos desviantes. Lê-se na nota de rodapé da obra Outsiders, na página 31.
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