OUTSIDERS, BECKER
Propor uma teoria interacionista do desvio: é este o
principal objetivo de Howard S. Becker no livro Outsiders, que insiste em
traçar sua genealogia a Everett Hughes, Robert Park e William Thomas, entre
outros grandes nomes da Escola de Chicago.
Becker
propõe uma concepção sociológica do desvio que o define como transgressão das
normas de um grupo, sublinhando ao mesmo tempo o facto de que as sociedades
modernas e complexas serem compostas por vários grupos.
Assim, como todo indivíduo pode ser susceptível de pertencer a diferentes grupos simultaneamente, Becker tenta mostrar o carácter variável do desvio, no entanto, precisamente delimitado (Xiberras, 1993: 118-119).
Assim, como todo indivíduo pode ser susceptível de pertencer a diferentes grupos simultaneamente, Becker tenta mostrar o carácter variável do desvio, no entanto, precisamente delimitado (Xiberras, 1993: 118-119).
O mundo social, ou melhor, os mundos sociais concebidos por Becker são compostos
por pessoas que, agindo juntas, com diferentes graus de comprometimento,
produzem realidades que também as definem. Assim, Becker cita a máxima de W.
Thomas de que "Se os homens definem situações como reais, elas são reais
em suas consequências". Isto é, as pessoas agem com base em sua
compreensão do mundo e do que há nele (Becker, 2009: 12).
A
matemática do desvio em Becker trás uma nova forma de ver este fenómeno,
afinal, é difícil tratar da questão do desvio já que, um indivíduo pode se
calhar se desviar de um grupo para se associar a um outro, juntando a isto o
facto de não se notar um consenso a nível dos grupos sociais (Xiberras 1993:
119).
A
percepção da norma apresenta uma grande variabilidade (consequentemente a do
desvio) pelo facto de que as sociedades modernas os grupos por si mesmos criam
cada um o seu sistema de normas, porém como o autor diz: “ estou interessado
sobretudo no que podemos chamar de regras operantes efectivas de grupos,
aquelas mantidas vivas por meio de tentativas de imposição (Becker, 2009:16) ”.
Becker
começa por abordar a ambiguidade do termo desviante (outsider); quem é o
outsider? A sociedade pode rotular alguém como sendo desviante por infringir
determinada regra, mas a ambiguidade e o segundo significado do termo pode
surgir no facto de que o que foi rotulado não aceitar estas regras e não achar
competentes as pessoas que o rotularam e, no entanto, retribuir a estes a
rotulação de desviantes (Becker 2009: 15).
Deste
ponto de vista diz o autor (Becker 2009: 22), “o desvio não é uma qualidade do
acto que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de
regras e sanções a um “ infractor ”. O desviante é alguém a quem esse rótulo
foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas
rotulam como tal”.
Becker
argumenta que deste conceito devemos querer que não estamos a nos dar com uma
categoria homogénea, isto é, as pessoas podem ser rotuladas sem, no entanto,
terem infringido alguma regra ou ainda que, a categoria dos rotulados não será
sempre constituída por todos infractores porque alguns destes podem escapar da
detenção e, importa reter que, o que há em comum nas pessoas rotuladas como
desviantes é apenas o próprio rotulo (Becker 2009:15).
O
desvio, continua o autor, não é uma qualidade simples, presente em alguns tipos
de comportamento e ausentes em outros. É antes o produto de um processo que
envolve relações de outras pessoas ao comportamento. O desvio constitui, pois
uma propriedade que não pertence nem à pessoa desviante, nem ao seu
comportamento, mas à interacção entre dois grupos: aqueles que transgridem e
aqueles que regem o acto de transgressão.
O
comportamento pode ser uma infracção das regras num momento e não no outro;
pode ser uma infracção das regras quando cometida por uma pessoa, mas não
quando cometido por outra; algumas regras são infringidas com impunidade,
outras não. Em suma, se um dado acto é desviante ou não, depende em parte da
natureza do acto (isto é se ele viola ou não alguma regra) e em parte do que
outras pessoas fazem acerca dele (p. 26). Daí ser, pois necessário descrever a
situação abordando-a pelos seus dois lados.
Os
fundamentos aqui apresentados, de Becker, deixam claro que o autor preocupa-se
e dá uma grande relevância, aos outros, ou seja, as pessoas que se relacionam
com o rotulado e, é, por um lado, neste ponto onde Becker diferencia a sua
abordagem do desvio em relação aos pais fundadores e a outros modernos.
Diz:
“
se tomamos como atenção o comportamento que vem a ser rotulado de desviante,
devemos reconhecer que não podemos saber se um dado acto será categorizado como
desviante até que a reacção dos outros tenha ocorrido. Desvio não é uma
qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interacção entre a pessoa
que comete um acto e aquelas que reagem a ele ˮ (p,
28).
Quanto
a questão das regras que são violadas, Becker afirma o seguinte: “ embora se
possa afirmar que muitas regras ou a maioria delas conta com a concordância
geral de todos os membros de uma sociedade, a pesquisa empírica sobre uma
determinada regra em geral revela variação nas atitudes das pessoas ˮ (p.28).
Ou
seja, dentro de um grupo constituído é capaz de existir um número de pessoas
que não se sentem como participantes nas regras existentes deste e este facto,
leva muitos estigmatizados a “sentir
que está sendo julgado segundo normas para cuja criação não contribuiu e que
não aceita, normas que lhes são impostas por outsider[1]”.
Perante
tal facto surge segundo Becker, a necessidade de se recorrer a processos
políticos e económicas para se criar e impor as regras àqueles que não as
aprovam (pp. 28-29).
Becker
termina a caracterização do desvio dizendo que
“
para além de reconhecerem que o desvio é
criado pelas reacções de pessoas a tipos particulares de comportamentos, pela
rotulação desses comportamentos como desviantes, devemos também ter em mente
que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são universalmente
aceites. Ao contrário, constituem objecto de conflito e divergências, da parte
do processo político da sociedade” (p. 30).
De
acordo com estes fundamentos, Becker (pp. 31-33) afirma existirem quatro tipos
de desvio[2]
a saber:
- O comportamento apropriado, que é
simplesmente aquele que obedece à regra e que outros percebem como tal;
-
O desvio puro de comportamento é
aquele que desobedece à regras e é percebido como tal:
-
A situação falsamente acusada é
aquela a que criminosos muitas vezes se referem como "bum rap". A pessoa é vista pelos outros como se tivesse
cometido uma acção imprópria, embora de facto não o tenha feito.
-
O desvio secreto é um acto impróprio
cometido, mas ninguém o percebe ou reage a ele como uma violação das regras.
O
último aspecto que queremos focar das abordagens de Becker é, como um indivíduo
chega a ser um praticante de um desvio.
Para
o autor, os indivíduos precisam de um conjunto de passos que o levarão a ser um
praticante de facto de um desvio, como afirma o autor: "a explicação de cada passo é assim parte da explicação do
comportamento resultante (p. 34)
".
A
carreira é para o autor (pp. 35-36) uma concepção útil no desenvolvimento de
modelos sequenciais de vários tipos de comportamento desviante. A intenção do
autor é usar o termo no sentido de carreiras desviantes, mas não expressar
apenas aqueles que seguem uma carreira que os leva a desvios cada vez maiores,
àqueles que, em última análise assumem uma identidade e um modo de vida
extremamente desviantes, devia considerar também os que têm um contacto mais
fugaz com o desvio, cujas carreiras os afasta dele rumo a maneiras de dever
convencionais.
As sociedades, no entanto, têm grupos dominantes e grupos
desviantes, assim como tipos diferentes de desvio. Existem carreiras
desviantes, que se apresentam como alternativas para carreiras convencionais.
"O comportamento normal das pessoas em nossa sociedade (e provavelmente em
qualquer sociedade) pode ser visto como uma série de compromissos
progressivamente crescentes, com normas e instituições convencionais" (p.
38).
Eis,
no entanto, das etapas que desenvolvem uma carreira desviante (pp. 36-50):
Primeira etapa: a
passagem ao acto. Na primeira etapa, o autor explica de duas formas a passagem
ao acto; os indivíduos passam ao desvio quando estão totalmente livres de
qualquer compromisso para com a sociedade convencional, o que é possível se
crescerem e se socializarem numa outra cultura, ou subcultura. Em segundo
lugar, os indivíduos passam ao acto quando conhecem as regras da sociedade,
talvez as tenham integrado e são, portanto, obrigados a transigir com o tipo de
técnicas de neutralização das normas convencionais, que se tornam as suas
próprias normas.
Segunda etapa: do
desvio ocasional ao modo de vida desviante. Para o autor, durante a prática
desviante, e durante a interacção com os desviantes mais realizados, o nocivo
faz uma aprendizagem da entrada, e depois da pertença, a uma subcultura. Os
desviantes partilham, no mínimo, o seu desvio, o que lhe dá o sentimento de
possuírem um destino comum.
Os
grupos mais do que os indivíduos isolados são levados a construir justificações
históricas, jurídicas, psicológicas, que lhes permitem definir uma identidade
que, embora desviante, é na mesma uma identidade.
Terceira etapa: do
desvio secreto ao desvio como estigma. O desviante pode ser aprendido e
publicamente designado. Uma mudança notável intervém, a partir de então, na
identidade que ele adquire aos olhos dos outros e na maneira pela qual ele é
tratado, em consequência.
A
posse de uma característica desviante pode ter um tal valor simbólico geral,
que os indivíduos normais terão tendência a presumir, a partir dessa
característica, o conjunto das outras características do indivíduo etiquetado
como desviante.
[2]
É
preciso reforçar com o autor que, aqui não se trata de tipos de pessoas
desviantes ou personalidades desviantes, mas a comportamentos ou actos
desviantes. Lê-se na nota de rodapé da obra Outsiders, na página 31.
.
- I
Nenhum comentário:
Postar um comentário