quarta-feira, 20 de maio de 2015

Como Criar Uma Problemática Ou Formular um Problema

Qualquer trabalho de pesquisa parte de uma pergunta inicial ou pergunta de partida a qual fundamentará a mesma. Esta pergunta é ponto inicial e referencial da pesquisa por isso deve ser formulada, reflectida ou discutida. A formulação do problema é um momento de incursão ao longo dos aspectos que caracterizam o tem em investigação.
A problemática dá sentido à investigação pois nos informa aquilo que o investigador quer pesquisar, nela apresenta-se, em forma de uma reflexão rigorosa aquilo, aquilo em que o pesquisador se compromete a resolver.


Exemplo de formulação do problema tirado do trabalho de Edgar Cajiza sobre a acusação de feitiçaria contra crianças[1].
Nos dias de hoje, temos sido alertados quer por pessoas quer por órgãos de informação, sobre um fenómeno; a questão das crianças acusadas de feiticeiras.
São depoimentos de pais, mães, tios e outros membros da família expondo acusações contra crianças ou até a explicar os motivos que o justificaram a esmurrar uma criança, ou seja, o que supostamente a criança fez para acusá-la de feiticeira.
Há uma série de situações que suscitam um conjunto de inquietações. É que tudo isso se passa naquela instituição tida como nuclear na sociedade. A família é a base de toda sociedade, pois que, reproduz e prepara os indivíduos para uma vida social.
Na família se inicia o processo de socialização, que nos prepara para as restantes relações na sociedade e acompanha – nos na formação de uma personalidade.
No entanto, a sociedade, normalmente, espera que a família seja um lugar no qual a criança é protegida e lhe sejam garantidos os direitos.
Mas estas acusações e práticas de maus tratos, têm ainda outros actores, as igrejas de cura. Em 2008 foi matéria de destaque em toda imprensa nacional, primeiro em Janeiro do mesmo ano «o drama das crianças acusadas de feiticeiras»: este drama contava o caso de 12 crianças que haviam sido retiradas das ruas da capital, pelas irmãs da congregação do Bom Pastor da igreja Católica, porque tinham sido acusadas pelos pais (ANGONOTÍCIAS, 23-01-2008: Fonte: Rádio Ecclésia/Apostolado).
No mesmo ano, mês de Outubro, acontece o famoso caso do «resgate de 40 crianças feiticeiras em igrejas». Aqui contava-se que a igreja Revelação do Espírito santo e a igreja Boa Fé, haviam prendido 40 crianças alegadamente para tratá-las, mas que no fundo estas sofriam torturas e maus tratos. Porém, através de uma intervenção da administração do município do Sambizanga, esta rede foi descoberta e desmantelada (ANGONOTÍCIAS, 23.01-2008:Fonte: Lusa).
Do que se sabe e é histórico, a questão da acusação de feitiçaria, é uma prática muitas vezes, identificadas como característica das comunidades Bantas[2]. Porém, nessas comunidades, esta questão é debatida ao nível dos adultos e não contra as crianças, já que as crianças não podem e estão muito distantes de manejar os poderes místicos (Altuna, 2006; 208-209).
A feitiçaria nestas localidades é um assunto apenas da competência dos responsáveis, dos adultos e, os criminosos, também eram adultos, pois se trata de um crime resultante de um uso indevido de uma força cuja função é defender a comunidade e não para prejudicá-la.
Por este motivo, nas comunidades bantas é frequente o sentimento de medo, já que estes reconhecem a existência de poderes ou seres superiores que regem as suas comunidades e que muitas vezes podem ser manipulados por pessoas egoístas e traidores (Altuna, 2006;69-70).
Segundo o padre Francisco (cit. Friedman e N´senga 2002:3) existe (nesta parte de Angola) uma aceitação cultural do facto das pessoas se livrarem da criança numa tal situação. Dado ela ser a cauda de muito mal. Para nós, os bantu, a vida é o valor primordial (padre Francisco apud Friedman e N´senga 2002:3)1 avie est la valeur primordiale). E aquele que vem para tomar esta vida, merece ser excluído.
Logo, e é consenso, a questão das crianças acusadas de feiticeiras é conhecida como mais um dos problemas do início dos anos 90, até porque nos tempos passados este não se fazia sentir (INAC, 2006:18-19).
Contudo, a justificação cultural que muitas vezes é utilizada para explicar ou defender as acusações de feitiçaria, não as tornam impunes pois elas acabam sempre sendo uma clara violação aos direitos humanos e aos direitos da criança.
Ainda que este fenómeno seja compreendido ao nível de um grupo cultural, ou seja, costume de certo grupo, pelo facto de englobar violação, tanto no processo como desfecho, em muitos dos casos, é fortemente condenado e considerado, quer pela sociedade, pelos Estados como pelos direitos humanos, como um abuso e desrespeito aos direitos conferidos às crianças *.
Os direitos da criança, previsto na Convenção dos Direitos sobre a Criança, são universais, o que valem para todas as crianças, não importando a raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião pública, origem nacional, étnica ou social, posição económica, deficiência física e nascimento[3].
Assim, independentemente do lugar onde a acusação, carregada de fogosidade é praticada, constitui uma violação aos direitos destas, o que, no entanto nos reforça a ideia de que todo acto que lese a integridade e o direito ao desenvolvimento da criança, se constituir uma violação a ser susceptível de repressão[4].
Por tal situação, constituir-se já um problema social[5], reconhecemos repousar sobre nós uma responsabilidade de e através de um estudo trazer em reflexão este problema, cujas consequências são muitas vezes drásticas quer para os indivíduos estigmatizados como para a sociedade.
                        No entanto, porque é preocupante o impacto do fenómeno, procuraremos levantar um leque de informações, como por exemplo sobre como são ou eram as estruturas das relações destas mesmas crianças com os outros membros na família, sobre as quais estas foram acusadas e sobre os restantes membros com os quais estas crianças viviam.
                O estudo se apegará também num facto político que aconteceu no ano de 2009. Neste ano, o Presidente da República de Angola fez sair, no Diário da República um despacho, o nº 32, sobre a proliferação de seitas religiosas e sobre o impacto negativo deste fenómeno das acusações de feitiçaria.              
Este despacho ordenava a criação de uma comissão interministerial, que dentre várias, destacamos as seguintes responsabilidades[6]:
a)       Elaborar um estudo sobre as origens e causas do fenómeno religioso em Angola;
b)       Promover encontros com os líderes das igrejas reconhecidas e auscultar as suas opiniões no que diz respeito ao fenómeno religioso, concretamente os conflitos das lideranças religiosas; […] e
e) Elaborar um estudo sobre o crescente fenómeno de acusação a crianças de prática de feitiçaria e propor medidas ao governo.
Queremos com isso fazer recordar a sociedade sobre esta preocupação levantada pela mais alta entidade nacional e procurar-se-á uma análise sobre a situação do problema actualmente através dos resultados provenientes desta comissão.
                Portanto, e sobre o tema em estudo, levanta-se a questão: será que toda criança acusada de feiticeira, por vários motivos evocados pelos familiares, tende a adoptar comportamentos desviantes?





[1] Trabalho de fim de curso para licenciatura. Cajiza, Edgar de Sousa (2013) A questão das crianças acusadas de feiticeira: um estudo de caso no centro de acolhimento Arnaldo Janssen. Monografia (licenciatura em Sociologia) ISCED – LUANDA, 2013.
[2] Segundo o Pe. Manuel Imbamba (2006, p 4), sempre que se ver escrito bantos, banto, bantas e banta deve se ler mesmo bantu, porque estamos presente de uma palavra inflexionada.

* Pensamos que a questão cultural nunca deve ser esquecida na análise de determinado comportamento ou problema social, mas mesmo que depois se conclua se tratando de um assunto puramente cultural, não deixará de ser uma violação quando esta maltrata, pois a cultura é sempre boa e principalmente aos seus utilizadores, mas nada que é cultural é lícito se for um valor contra a vida, ou seja, nenhuma cultura deve ser contra este valor maior, que é a vida. A relatividade cultural deve ser tida em conta, mas quando uma cultura mata não é necessário o autóctone para dar conta da fereza deste comportamento.
[3] Vide Convenção sobre os Direitos da Criança. Angola (1989). UNICEF, parte 1, art.º 2 ponto 1, p. 4.
[4]  Ver Convenção sobre os Direitos da Criança. Angola. UNICEF, parte 1, art.º 2 ponto 2, p. 5.
[5] Segundo Rubington e Weinberg (1995:4) é uma alegada situação incompatível com os valores de um significativo número de pessoas, que concordam ser necessário agir para alterá-la. E para que um problema social possa ser considerado um problema sociológico deve possuir as condições de regularidade, uniformidade, impessoalidade e repetição (Apud Carmo e tal 2001:27).

[6] Vide Diário da República nº 188 de 05 de Outubro de 2009. Despacho nº 32/09.

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